Estou lendo a autobiografia de André Midani, chamada “Do
Vinil ao Download”. Tento ler devagar para curtir cada
linha, mas o texto é tão bom (praticamente linguagem falada,
que gosto muito), tão curioso, as histórias são tão
impressionantes, que em duas noites já passei da metade.
Uma história muito rica, que começa em Damasco, Síria, em
1932, atravessa a II Guerra Mundial, um milhão de outras
situações, atravessa o Atlântico, chega ao Brasil e ...bom,
quando terminar a leitura farei uma resenha detalhada.
Homem de excelente caráter, André Midani é um dos maiores
executivos do mercado fonográfico mundial. Tive o privilégio
de conhece-lo lá por 1980, quando estava fazendo uma matéria
sobre as estrelas do mercado. André tinha deixado a
presidência da gravadora Polygram (hoje Universal Music)
para assumir a presidência da Warner no Brasil.
Ele assumiu a Warner com 3% do mercado brasileiro. Após
contratar artistas como Elis Regina, Tom Jobim, Gilberto
Gil, Belchior, Hermeto Pascoal, Paulinho da Viola, Ney
Matogrosso, Marina Lima, Baby Consuelo (hoje Baby do
Brasil), Pepeu Gomes, A Cor do Som, Banda Black Rio e As
Frenéticas, entre outros, viu sua participação de mercado
subir para 14%.
Na década de 1980, Midani resolveu apostar no rock
brasileiro, contratando artistas como Titãs, Ultraje a
Rigor, Ira!, Inocentes, Kid Abelha, Camisa de Vênus, Lulu
Santos entre outros. Em 1983, levou a Warner também para a
Argentina, e, em 1984, para o México. Em 1990, foi
transferido para Nova York, onde assumiu o cargo de
presidente da Warner para toda a América Latina.
Ao longo de minha vida profissional sou extremamente grato a
algumas pessoas que me mostraram caminhos, apontaram rumos,
trilhas, alternativas. No jornalismo musical e no rádio,
destaco amigos como Roberto Menescal, Carlos Celles (in
memoriam) Marcos Kilzer, Jorge Davidson, Miguel Aranega que
me deram (e dão) muita força. E, é claro, entre eles está
André Midani.
No tempo da Rádio Fluminense FM, quando a dirigi entre março
de 1982 e abril de 1985 e depois em 1989 e 1990, ia de 15 em
15 dias dar um giro nas gravadoras para conversar com esses
meus amigos. André Midani foi um deles.
Perguntava muito pela rádio, pelos artistas, opinião dos
colegas de lá, dos ouvintes. Até hoje, Midani é um GPS,
ligado dia e noite e tem um faro impressionante para o
sucesso. Impressionante! Ele gostava de ouvir, ouvir muito.
Eventualmente anotava o que mais chamava atenção num bloco
com uma elegante caneta tinteiro.
Lembro que quando a rádio tinha acabado de entrar no ar e
tocava cópias de fitinhas K7 de bandas nacionais novas, o
produtor Ricardo Silveira (homônimo do musico) apareceu lá.
Ele era produtor da Warner e, em nome do André Midani, tinha
ido lá pegar fitinhas K7 para fazer um disco. entregamos e
as fitinhas, sem qualquer “maquiagem”, viraram o disco Rock
Voador, parceria da rádio com o Circo Voador. Os artistas:
Celso Blues Boy, Kid Abelha, Sangue da Cidade, Maurício
Mello e Companha Mágica, Papel de Mil e Malu Vianna.
Enfim, enquanto leio André Midani na primeira pessoa penso
que sua vida daria não só um outro livro (pessoas contando
suas histórias) como um excelente filme. André Midani é
raro, muito raro.
Aqui, uma breve sinopse do livro segundo a editora Nova
Fronteira:
Testemunha ocular do Dia D, desertor da Guerra na Argélia,
confeiteiro em Paris, executivo da Odeon, Phonogram e WEA,
pioneiro na iniciativa de análises qualitativas de mercado,
negociador da libertação do publicitário Washington
Olivetto.
A autobiografia de André Midani é mais do que um depoimento
de quem desde a década de 50 observa sob um ângulo
privilegiado os bastidores do mercado musical brasileiro.
Além de viver alguns dos grandes momentos da história,
Midani participou ativamente do nascimento da bossa nova, da
tropicália e do rock nacional, dos grandes festivais de
música e das jogadas de marketing das gravadoras para
projetar seus ídolos.
O meu afeto não se encerra
Passei alguns dias resolvendo assuntos
diretamente ligados a meu afeto profundo. Muito profundo,
abissal. A cada lugar que fui, lembranças, muitas lembranças
e um sentimento bem mais poderoso do que a saudade. É quando
sentimos falta, muita falta, de pessoas e momentos que se
eternizam no afeto profundo, lá embaixo, no abissal e
mistérios inconsciente.
Óbvio, ninguém é igual. O ser humano é
diferente até dele mesmo já que a coerência radical, prima
bem próxima da teimosia, é eventualmente burra. Por isso,
por essa livre e saudável ausência de isonomia afetiva, cada
humano tem com o afeto uma relação distinta. Com o afeto
profundo, essas diferenças se abrem como grandes abismos e
muita gente sente dificuldade de lidar com ausências.
Pessoas que acham que o choro é
fraqueza, que o lamento é covardia dispensável, que o
“estado blues” que nos acomete tem que ser massacrado,
assassinado, deletado, arquivado, atirado no lixo, em nome
de uma suposta superioridade existencial. Dizem que os
ocidentais, em especial alguns pequeno-burgueses (também
chamados de “coxinhas”), preferem ignorar o afeto profundo e
substituir, por exemplo, pela trilogia
cerveja-futebol-churrasco. É mais fácil? Não. Essa trilogia
é como um cheque pré-datado, daqueles que batem na conta lá
na frente, com juros e correção.
O meu dia foi especial porque mergulhei
até o afeto profundo. Nó na garganta quando o cheiro do mar
misturado ao de óleo combustível dos navios de guerra me
bateu na alma. Foi bom. Foi bom homenagear quem eu queria
que fosse homenageado, através de lembranças, poemas, vento
do litoral, o azul profundo do céu de outono.
O meu afeto não se encerra. Prefere
transmutar como as auroras boreais. Nunca as mesmas. Sempre
as mesmas. Assim é. Assim será. Sempre.