Estou lendo “O homem que amava os cachorros”, de Leonardo
Padura. Excelente livro! Está enriquecendo sobremaneira o
meu conhecimento sobre a história da Rússia, além de ser um
romance belíssimo, de uma primorosa narrativa lírica e
poética em vários capítulos.
Até aí tudo ótimo, não fosse o fato de que não estou
conseguindo “devorá-lo”, como já o fiz com outros livros de
500 páginas. E não é porque ele tem 500 páginas, pois que
estou curtindo muito a sua leitura. Ocorre que o tempo é
escasso, a labuta consome dias e noites e, quando finalmente
encosto a cabeça no travesseiro, lá pelas duas da manhã,
invariavelmente não passo de três, com muita resistência ao
sono umas dez páginas. Mas eu vou ler até o fim, ahhhh, vou,
sua eloquência literária me leva a esta incontestável
afirmação! Recomendo.
Tal dificuldade me fez lembrar uma aula memorável do nosso
querido e excelente professor Iran Pitthan, na minha
Pós-Graduação em Gêneros Textuais e Interação. Naquele dia
ele citou os famosos “Direitos do Leitor”, brilhantemente
cunhados pelo escritor francês Daniel Pennac (foto), autor
do consagrado “Como um romance”. Pennac foi magistral em
listar vários direitos do leitor, os quais me permito aqui
divulgar:
1O direito
de não ler – Excelente! Podemos então afirmar, sem medo
de nossos radicalismos, a famosa “não li e não gostei”,
ou seja, não é porque está TODO MUNDO lendo que eu sou
obrigada a ler também: que maravilha!
O direito
de pular as páginas – nada mais democrático, em se
tratando da relação entre o leitor e o livro – pois se
está difícil passar dali, se a gente não aguenta mais
aquela prolixa “descrição de uma árvore”, que já dura
mais de vinte páginas, às favas com a árvore, vamos em
frente;
O direito
de não terminar o livro – este é fundamental! Nada de
culpas por não ter chegado à última (nem a penúltima)
página – afinal, o livro é meu e eu leio até onde
gostar;
O direito
de reler – Ahhh, que delícia é querer, e poder, ler tudo
de novo, e saborear melhor, e sentir o êxtase de uma boa
leitura feita duas, três, quantas vezes se quiser;
O direito
de ler o que quiser – É tudo! Se eu quero ler
quadrinhos, bula de remédio, “Caras”, jornal sangrento,
literatura pornô, manual de instruções (Cruzes!!!!),
clássicos da literatura ou os mais vendidos “tons de
cinza”, o problema é meu;
O direito
de se apaixonar por personagens – inalienável! Se o
romance é lindo, se eu sou adolescente ou uma mulher em
constante estado de ebulição amorosa, se eu sonho
acordada o dia inteiro, e escolhi como meu objeto do
desejo a paixão brasileira da Liz Gilbert em “Comer,
rezar, amar”, nada mais saudável! Sinal de que estou
viva, e amo, e quero ser amada, ou seja, os hormônios
continuam borbulhando intensamente lá dentro!
O direito
de ler em qualquer lugar – bem, este anda meio caído,
visto que, nos consultórios, ônibus, metrôs,
cabeleireiros, o que mais se lê (ou vê) é o que está na
Internet. Anyway, há os que leem, e a gente até se choca
quando vê uma pessoa com um livro, e não um smartphone,
na mão. Ler onde der na telha é um direito lindo!
O direito
de pular de livro em livro – em minha modesta opinião, a
pessoa que usufrui deste direito tem uma incrível
autoestima – não está nem aí se não gosta deste, pega
outro, não gosta de novo, pega outro, até encontrar o
que a prenderá até o final. Bingo!
O direito
de ler em voz alta – bem, este é um direito que não se
pode usufruir em qualquer lugar, uma vez que o seu
direito acaba quando começa o do outro (não vamos aqui
entrar na discussão sobre se as pessoas hoje em dia
estão tão cônscias disso). O que importa é que este é um
direito, em sua maioria das vezes, exercido em sua
intimidade, sozinho ou com o amor, os filhos, enfim, os
íntimos. Eu amava ler a “Turma da Mônica” para as minhas
filhas interpretando as vozes de cada um, falando
“elado” quando era o Cebolinha, dando muita bronca
quando era a Mônica, fazendo voz de sonsa quando era o
sacana do Cascão. E esta é uma lembrança que elas
guardam com muita satisfação, tipo “memórias de uma
infância, - e também adolescência” – feliz, e
finalmente,
O direito
de não compartilhar sua opinião sobre o livro –
Perfeito! Se todo mundo está amando certa trilogia e eu,
simplesmente, abomino trilogias, prefiro ficar quieta
pra não suscitar discórdias – a amizade está acima de
tudo!
Bem, esses são os direitos do leitor proferidos por Daniel
Pennac. Há ainda uma série que cada um de nós pode dizer. Eu
reivindico o direito de ir até as últimas páginas logo para
ver o final, porque não estou me aguentando de curiosidade.
Ou de não passar do prefácio se achar que o dito cujo está
apresentando um monturo de páginas inúteis.
A coluna de hoje dá suíte. Quem quiser participar diga um
direito que acha por bem ser acrescentado à lista de Pennac.
Afinal, ele começou mas nós temos todo o direito de
continuar! E viva a literatura!