A morte de Fernando Brant, sexta-feira retrasada, me
esmurrou pesado. Todo mundo (?) sabia que ele era o
conspirador-mor do Clube da Esquina, aquela entidade
informal (que muitos taxaram de imoral) que tomou Minas
Gerais na virada dos anos 1960 para 70 tendo à bordo Miltol
Nascimento, o Fenando, Beto Guedes, Lô e Márcio Borges,
enfim, não vou ficar repetindo.
A nova conspiração mineira tomou o Brasil e mostrou ao
público uma nova MPB, claramente influenciada pelo rock,
pelos Beatles, por François Truffaut (eles viram “Jules et
Jim” pelo menos 50 vezes, Milton me disse em entrevista em
1987) pela vanguarda da vanguarda da vanguarda mas movida
pela genialidade da poesia das Gerais, seus trilhos,
trilhas, ferro, aço, diamantes. Fernando Brant, via Milton e
todos os outros, mostrou a sua pena, a sua escrita, onde
despejava a alma sem cerimônia e tornou-se um dos maiores
poetas brasileiros de todos os tempos.
Lembrei de um texto que publiquei aqui em 30 de junho de
2012:
“Esperei para assistir ao programa Som Brasil na Globo, que
fez uma homenagem aos 40 anos do Clube da Esquina. Abriu com
Milton Nascimento e Lô Borges cantando “Para Lennon &
McCartney”, canção que (pouca gente sabe disso) foi composta
na casa de O “Clube” alugou na praia de Piratininga, em
Niterói. Eles teriam se trancado na casa com um pacto: só
poderiam sair quando Fernando Brant, Lô e Márcio Borges
terminassem de compor a música. Estamos falando do início
dos anos 70, quando o Clube da Esquina, que nasceu em Belo
Horizonte depois de assistir a mais de 50 vezes a “Jules et
Jim”, de François Truffaut, detonou a nova música popular
mineira. Genial!
“O programa foi ótimo. Fernanda Takai, a meu ver, foi o
grande destaque e enquanto assistia, notando que o sereno
apertava lá fora, a memória entrou em cena. Conheci Milton
pessoalmente na sala de baixo da casa do saudoso médico e
terapeuta José Maria Monteiro de Barros, que ficava numa
vila entre as ruas Álvares de Azevedo e Pereira da Silva, na
Praia de Icaraí. Lembro bem.
Eu estava sentado no sofá do andar de baixo pensando na vida
e contemplando os peixes que o Zé gostava de criar num
aquário que ficava encostado na parede. De repente, descendo
a escada, vi aquele homem magro, negro, com um boné. Demorou
a cair a ficha: era Milton Nascimento, de macacão jeans,
completamente “Bituca” seu apelido desde Três Pontas, MG. Na
época eu trabalhava como repórter da Rádio Jornal do Brasil
AM, a mais respeitada do Brasil e quando Milton vinha
passando em frente ao aquário me apresentei.
“Acabei engatando um papo que, garanti, jamais seria
publicado. Milton encheu a bola do nosso Zé Maria e fomos
ele e eu, caminhando pela vila por volta das 11 da noite.
Milton não é falador, ao contrário, parece mudo, mas não
resistiu quando viu a lua cheia bem em cima de nós.
“Lá em Piratininga a lua era igual”, sorriu mansamente.
Acabei perguntando um pouco mais sobre a estada do Clube da
Esquina (ele, Beto Guedes, Lô Borges e Fernando Brant no
comando) em Piratininga e o grande cantor e compositor disse
que foi um dos melhores períodos de sua vida. Sorrindo
levemente confirmou que “Para Lennon & McCartney” foi feita
lá, mas “para que terminássemos a música, tivemos que
trancar a porta da casa e proibir a saída de qualquer um. O
Fernando quase enlouqueceu.”
“Bom, um carro o esperava na esquina da Praia com a vila do
Zé Maria e ele foi embora. Antes, marcamos uma entrevista
para uma semana depois, entrevista essa que acabou
acontecendo com a participação de Zé Maria (saudade que eu
sinto dele) na Fiorentina, no Leme, que era uma extensão de
seu consultório.
“O papo começou por volta de 10 da noite e saímos de lá por
volta das 3 horas da manhã. Zé, Milton e uma amiga do
mineiro com olhos de diamante chamada Cristiana. Foi uma das
melhores entrevistas que fiz em todos esses anos de
jornalismo e quase a coloquei no meu livro MANUAL DE
SOBREVIVÊNCIA NA SELVA DO JORNALISMO. Seria uma homenagem
que desejei fazer ao Jornalismo, a Zé Maria, ao Milton,
cujos discos “Minas” e Geraes” não saíram de meu toca-discos
ao longo de anos e, é claro, ao Clube da Esquina de
Piratininga. Ali em “Minas” está a melhor versão de “Paula e
Bebeto”*, parceria de Milton com Caetano.
“Fiquei muito feliz em saber que Milton Nascimento guardou a
minha cidade, Niterói, com carinho em seu cofre afetivo.
Como ele viveu histórias incríveis na minha terra.
Impressionante. E essas histórias foram só uma parte. Fico
aqui imaginando o que ele deve ter contado pro José Maria
Monteiro de Barros, nosso terapeuta, amigo, enfim, o que
posso dizer de um gênio afetuoso e que dedicou a vida aos
outros?
Ao Fernando Brant, uma homenagem rústica e breve. Uma
lembrança de seus tempos de ondas, céu azul, gaivotas,
coração americano e tudo mais.