O lugar onde eu malho é quase que surreal. Sou a primeira a
chegar, chego antes até da recepcionista ou dos professores.
Ao entrar, depois que a secretária aparece, os meus passos,
com o tênis, ecoam por toda a casa, as luzes ainda estão
apagadas, sinto como se aquele estúdio de musculação fosse
todo meu. Qual nada, dali a alguns minutos o pessoal começa
a aparecer. E cada um é mais do que uma pessoa, são
verdadeiros personagens. Dariam um conto bizarro de Cortázar
mas, agora, já que o escritor não está mais aqui, eu mesma
vou falar sobre eles.
Tem a menina que todo dia leva um tupperware cheio de
brigadeiros, docinhos de leite com coco (hummm, esses são os
que eu mais gosto) e cajuzinhos. Ela deita o dito cujo na
mesa do professor e vem buscar unzinho a cada final de série
em um aparelho. Leg press, dois brigadeiros. Extensora, três
cajuzinhos. Supino, mais dois docinhos brancos. A gente fica
olhando e pensando, “o que ela vem mesmo fazer aqui?” E ela
ainda oferece pra todo mundo, e quem não aceitar ganha sua
antipatia. A garota, que está com uns quilinhos a mais – não
muitos - , diz que é ela mesma quem faz os docinhos e que
eles estão uma delícia. Ai de você se disser “não,
obrigada”. Sexta-feira eu como três, um de cada. E assim
vamos levando.
Tem o cara que se filma todos os dias na ergometria. Ele
liga a esteira e gruda a pequena filmadora no vidro à
frente. Passa uma hora se filmando dando os mesmos passos
naquela tábua rolante de monotonia. A gente fica se
perguntando o porquê daquilo. “Será que ele vai levar pra
nutricionista dele? Ou pra esposa, pra provar que estava no
treino?” É realmente instigante. Tudo bem que ele está
precisando perder umas gordurinhas mas também não é nada
assim tão desesperador. Ah, e no final ele limpa a esteira
toda com álcool gel. Excesso de assepsia, na opinião de
todos.
Tem ainda o rapazinho efeminado que, no dia em que começou a
malhar lá, foi determinado com o professor: “quero ficar com
este corpo”, e mostrou uma foto da Grazi Massafera! Hã?
Nosso querido mestre da musculação, de moreno que é, virou
um fantasma! Gente, eu não estou brincando. Aconteceu mesmo!
Desnecessário dizer que nossos abdomens ficaram sarados de
tanto rir, não teve nem que treinar essa parte do corpo
naquele dia! Pelo amor de Deus, nada contra os gays! Mas
alguém que é do sexo masculino, originalmente, querer ficar
com corpo de estrela da Globo, nem em clínica de cirurgia
plástica! Eu, hein!
Tem também a loura desbocada. Ao final de cada aparelho ela
solta um palavrão. E bem alto! Não posso repetir aqui, mas
são os mais cabeludos que vocês conhecem. Tem que fingir que
não está ouvindo, ai! Na verdade ela é gente muito boa. Mas
meus tímpanos saem estourados, coitados.
Tem a senhora super simpática que conversa com todo mundo.
Aliás, ela conversa tanto que não malha nada! É sério, a
gente morre de rir com ela. E dela. Eu vivo gritando, “vai
malhar o corpo ou a língua, senhora?” E ela me manda
praquele lugar, abrindo seu sorriso gostoso. Ela passa bem
uma hora conversando com o professor, outro dia eu soube que
os dois têm o whatsapp um do outro e que o papo continua
pela rede depois do pseudo-treino. Ao final de vários
minutos ela faz um bracinho, um gluteozinho, e vai embora
feliz da vida: academia também é terapia!
Tem o meu amigo que conta umas piadas muito engraçadas, mas
a gente só se fala entre uma série e outra, pra não perder
muito tempo. E tem a minha pessoa também, que todo mundo
encarna porque eu só treino com o celular na mão. Nos
intervalos das séries estou nas redes, me atualizando. A
senhora que não para de conversar, e come os brigadeiros da
outra, também me zoa direto: “e você, vai malhar ou ficar no
Facebook?” Na verdade eu cumpro todo o meu roteiro. Mas se
tenho que descansar entre um aparelho e o outro, por que não
dar uma espiadinha no Instagram, que eu amo?
E assim vamos malhando as carcaças e rindo à vera! Falamos
mal da Dilma, do PT, do PMDB, de todos os políticos, os
homens falam de futebol, claro, e tem uma nutricionista
linda que quase não consegue treinar, coitada, de tantas
perguntas que disparam em sua direção: “posso comer mais de
5 g de sal por dia? E o glúten, tem de tirar mesmo? E
lactose também? E a taça de vinho por dia, é pra tomar ou
não?” Tadinha, ela é uma graça, atende a todos, e a gente a
aluga tanto que até ficamos com pena e nós mesmos mandamos
ela voltar para o aparelho.
Enfim, malhar ainda é um dos melhores remédios pra essa
nossa vida tão difícil! Só não tem nem um homem lindo pra
gente admirar, é verdade, e disso todas se queixam, a
começar pela loura libertina. Mas aí também já é querer
demais, né? Bóra treinar!