"..como nossos pais.” Belchior tinha razão. Vejam como nos
tornamos cada vez mais parecidos com eles a cada vinte anos.
Bruninho apareceu na festa de aniversário de minha
primogênita semana passada, com sua linda namorada. Ele foi
colega de infância de Ana, no colégio montessoriano
Amanhecer, hoje Ágora, maravilhosa escola. Bem, "Bruninho"
está com 1,88 m, formou-se em administração e tem dentes
perfeitos. E eu me vi falando igual aos meus pais quando era
pequena, "rapaz, eu vi você pequinininho!” E pior que vi,
ele era ainda menor do que minha filha, enquanto que hoje
ela bate no ombro dele.
É, definitivamente, somos todos iguais. Gerações se sucedem
e dizem as mesmas coisas.
Lembro-me de, aos 12 anos e já com 1,70 m, ir para Salvador
visitar uns parentes de meu pai que não víamos há tempos.
Ai, foi um tal de me adularem com aqueles comentários, no
mínimo, enfadonhos, tipo “nossa, como está grande”, “está
uma moça”, “te vi na barriga de sua mãe”. Saco! Eu ria
aquele sorriso mais amarelo do que recheio de sonho e ficava
muda, achando aqueles velhos um bando de malas. Gente, não
tem nada melhor pra dizer não?
Hoje, quarenta anos depois, pego-me fazendo EXATAMENTE o
mesmo. Minha filha fez trinta e convidou vários amigos que
não via há muito tempo, a ocasião pedia, uma data
importante. Eu e a coroada só fazíamos nos extasiar a cada
amigo que chegava, homens enormes, mulheres lindas, todos
umas criancinhas que nos acostumamos a ver nos
colégios....mas o quê esse tempo faz conosco?
Trinta anos passam e a gente não percebe? Ou percebe mas faz
pouco caso, afinal a luta pela sobrevivência e a educação de
nossos filhos nos consomem tanto que nem reparamos nos
cabelos brancos que começam a crescer? Verdade é que o tempo
é uma faca de dois gumes. Se, por um lado ele nos permite
esquecer amores que se foram, mágoas não tão cruciais e até
mesmo acidentes sem maiores consequências, por outro
dilacera nossa pele, corrói os órgãos, que começam a ratear
feito carros antigos, faz a gente frequentar, cada vez mais,
a farmácia.
E, conforme ele avança, vamos ficando cada vez mais parecido
com os nossos pais.
“São crianças como você, o que você vai ser quando você
crescer”, disse sabiamente Renato Russo. Vamos ficando
velhos como eles, chatos como eles e bobos como eles também.
De pais viramos avós, e babamos ao ver o bebê de nosso bebê.
Parece que ele duplicou, são como clones de nossos filhos
que, para nós, nunca deixarão de ser crianças. Ainda não sou
avó, mas vou ser e todos os avós dizem o mesmo: “é a melhor
coisa do mundo.” Melhor do que filhos, viagens, carros
novos, adrenalina solta ao encontrar uma nova paixão. Netos
são os presentes mais preciosos que podemos ganhar, e a
felicidade que nos faz esquecer desse tal tempo que não tem
o menor pudor em continuar passando, e virando as horas, os
dias, os anos.
Tais quais os nossos pais é como ficamos a partir dos
quarenta, com os filhos adolescentes e tendo que lhes dar os
mesmos carões, conselhos, e até castigos. É quando então
percebemos o adiantar dos anos, a puberdade dos filhos, seus
namorados que vão chegando e se aboletando em nossos sofás,
quiçá nos quartos de nossas “crianças”, que persistem em
querer se embrenhar nos prazeres antes somente concedidos
aos adultos.
A certeira descendência de nossos pais é o que nós somos,
principalmente como genitores, diferindo apenas o personagem
da moda e as tecnologias disponíveis. Enquanto que, na
década de 70 e 80, os “velhos” se escandalizavam com o
início precoce de nossa vida sexual, hoje o maior desafio é
fazer eles tirarem os olhos e os dedos dos smartphones. “Vai
estudar” é imperativo igualmente adotado há “trocentas”
gerações. “Não tenho dinheiro agora” continua sendo muito
utilizado, apesar de hoje existirem os cartões de débito e
crédito para as crianças gastarem à vontade. E “no meu tempo
não era assim” é tão dejá vu que a resposta adolescente é
sempre um muxoxo, por vezes capaz de refletir, nessas
carinhas de porcelana chinesa, até um pouco de feiúra, que
dura não mais do que um minuto.
Doce e afiado tempo. Que nos transmuta de filhos em pais, de
netos em avós, de tios em tios avós. Até nos converter em
bisavós e depois nos reduzir a lembranças, histórias,
memórias. As coisas velhas ficam para trás. Tudo se faz
novo. Mas as palavras, as ordens, os discursos, esses jamais
mudarão. O ciclo da vida não passa de reprise, e reprise da
reprise. Até o fim dos tempos.