Sei que escrevo para uma minoria de niteroienses. A hedionda
especulação imobiliária que assola Niterói afastou os
chamados nativos daqui e hoje abriga uma maioria de
forasteiros que chegou graças a um convite de “vida fácil,
bela, segura e confortável” anunciado pelos destruidores de
cidades, gente que troca baús por tijolos, histórias por um
fusca, patrimônio cultural por um supermercado.
Eu me incluo entre esses “locais” de Niterói que planejou ir
embora da cidade, sem olhar para trás. Minha ideia era mudar
para o Rio em abril deste ano, desgostoso com a desvalia,
esculacho, péssimas condições de vida de uma cidade que
elegi como minha e aqui continuei morando até hoje.
Insisti, insisti, insisti, mas a lambança venceu e decidi me
mandar, jogar a toalha. No entanto destino se meteu, mexeu
no meu roteiro existencial, fatos novos/imprevisíveis
aconteceram e acabei ficando. Mais: os pouquíssimos amigos
que decidiram continuar vivendo aqui (um deles, amigo/irmão
desde 1970, foi covardemente assassinado por bandidos as 5
da tarde na rua Visconde de Sepetiba, epicentro de Niterói,
a 400 metros da sede da prefeitura) argumentaram que a minha
saída seria fazer o jogo dos caras.
Com o Campo de São Bento a esculhambação não é diferente.
Repito: sei que escrevo para uma minoria de niteroienses que
provavelmente não conheceram o Campo nos anos 1970, quando
era preservado como reserva verde destinada a descanso,
contemplação, pássaros.
A primeira manifestação que participei, com uns 12 anos de
idade, foi contra a construção daquele estrume de concreto
chamado Centro Cultural Paschoal Carlos Magno que profana o
verde, o bom senso, profana a sensibilidade de pessoas que
mantém laços afetivos com Niterói. Tanto que vive
asbolutamente as moscas. O famigerado Centro é porta-saco de
amebas que ganham a vida babando ovos do poder. No fim do
mês pegam os contracheques e que se exploda tudo em volta.
Lembro bem porque estudei no Colégio Estadual Joaquim Távora
(que, como o Júlia Cortines, também não deveria ser
construído no Campo) e dá janela cheguei a ver tiê-sangue
dando vôos rasantes naquela área. Hoje mal se vê pardais e
rolinhas e as sabiás tem seus ninhos invadidos e destruídos
por micos que vieram da Bahia que, não satisfeitos, comem os
ovos e o próprio pássaro.
Um dia desses (domingo) fui lá. Horror. Quase golfei. O que
antes era uma área verde serpenteada por estreitas trilhas
destinadas ao passeio, a conversa, ao silêncio, a paz, hoje
virou uma feira de Caxias. Alguém conhece a feira de Caxias?
Pois é, ela mesma. Até esses mafuás da moda que os
espertalhões batizaram com nome em inglês (food trucks)
estavam estacionados no Campo de São Bento, despejando
fumaça de óleo diesel no ar de seus geradores ligados.
Geradores que, me disseram os moradores, passaram a noite
ligados mas ninguém reclamou pelo mais sórdido dos motivos:
“não adianta reclamar”, uma senhora me disse. “É perda de
tempo”. Outra informação é que os food trucks querem
permanecer eternamente por lá e vão aproveitar 2016, ano
eleitoral, para conseguirem uma força. Vão conseguir?
O Campo de São Bento que serviu até aos artistas plásticos
que iam lá pintá-lo foi tomado por uma turba barulhenta que
vende de tudo. Tudo. São as famigeradas “feirinhas” na
verdade camelódromos pequenos burgueses que, em nome de sei
lá o que, faturam muito bem nas costas dos novos
niteroienses que acham que tudo ali é uma festa. Compra-se
até filhotes de cachorro no Campo, onde só falta vender
ventilador usado, forninho de micro-ondas bichado, privada
seminova já que aquilo lá virou mesmo uma maquete (nas
coxas) do Paraguai.
E assim cavalga a cidade de Niterói-RJ, hoje estrela dos
telejornais locais (des)graças ao sangue esparramado pela
bandidagem importada dos complexos do terrorismo armado do
Rio de Janeiro, cidade que tem dois prefeitos: o prefeito de
fato e o governador, vulgo prefeitão. Já em Niterói, cartas
para a redação.