Brejeiro é
médico. Obstetra. Finalmente fora absolvido num processo
complicado. Ao fazer um parto natural em um elegantíssimo
hospital, como de praxe ergueu o bebê e anunciou “é um
menino”.
No centro
cirúrgico, além da equipe, o pai da criança que, como toda a
família, estava gravemente infectado pelo vírus do
Politicamente Correto, uma das pestes mais graves da
história contemporânea. Indignado, quase rubro de ódio, o
pai falou alto no centro cirúrgico.
- Doutor
Brejeiro, o senhor não pode condenar meu filho ao sexo
masculino. Ele vai escolher o seu gênero ao longo da vida.
Ao erguê-lo como troféu e decretar “é um menino” o senhor
ignora os mais básicos princípios básicos que norteiam o
Politicamente Correto, a nossa sina, a nossa vida.
Brejeiro não se
desculpou. Delicadamente entregou o bebê a enfermeira e se
retirou. Enquanto se preparava para ir para casa, o médico
lembrou que fatos estranhos já haviam acontecido dias antes,
quando recebeu o casal numa consulta para tratar do parto.
Ao preencher uma
ficha comum, o médico escreveu Adão como o nome do futuro
pai e Darlene o da futura mãe. O casal protestou
veementemente e exigiu que Brejeiro corrigisse. Adão era o
nome da mãe e Ivo o do pai.
Duas semanas após
o parto estava em seu apartamento em Vaz Lobo, Rio de
Janeiro, quando chegou a intimação judicial. Preocupado,
ligou para um amigo advogado que averiguou, no dia seguinte,
que tratava-se de uma ação por danos morais contra ele,
Brejeiro e contra a enfermeira. Ele por ter “ofendido” o
bebê de menino assim que nasceu e ela por tê-lo vestido com
um pijaminha azul.
Dias depois, na audiência perante o juiz, Adão, a mãe e Ivo,
o pai, disseram que o caso configurava danos morais porque
“ao afirmar se tratar o recém–nascido de menino, o médico o
condenava ao gênero sexual que ele, médico, achava que
deveria ser o correto e não o da futura escolha do bebê.”
Quanto a enfermeira o argumento era semelhante,
acrescentando que “ao vestir o bebê de azul, e não de rosa e
azul, a profissional determinava o sexo das criança”.
Na audiência
Brejeiro chegou a dizer ao juiz que caso fosse condenado não
só abandonaria a medicina, como também o Brasil e iria viver
como aborígene na Austrália. O juiz achou que era deboche,
mandou Brejeiro calar a boca mas depois, constrangido,
entendeu que o assunto era sério quando o advogado do médico
mostrou a passagem Rio-Sydney de ida sem volta e o visto de
permanência na Austrália concedido pelo consulado.
Ivo, a mãe,
estava mais exaltada. Dizia que “na condição de dirigente
sindical, de cidadão que luta pelas demandas agudas de uma
sociedade atirada aos dogmas, paradigmas e a dialética que
dividem o ser de existir, fui até acusada de ladra, de
assaltar o cofre de uma instituição pública por preconceito,
racismo, fascismo daqueles que decretam comportamentos,
posturas e até gêneros sexuais”. Ivo só não explicou se foi
absolvido do processo de corrupção.
Foram ao todo
sete audiências. Tensas. Na pequena plateia, sempre 13
pessoas ligadas a sindicatos, partidos políticos arrivistas,
ONGs, organizações sociais, lideranças e ativistas de causa
sexuais alternativas.
Brejeiro temia
pelo pior. O juiz conseguiria resistir a pressão?
Conseguiria permanecer frio e racional mesmo ouvindo o som
dos atabaques que vinham da rua onde dezenas de pessoas
gritavam palavras de ordem, empunhando cartazes com os
dizeres do tipo “Viva Adão e Ivo! Morte aos fascistas!”?
O juiz sentou-se.
A seu lado 16 policiais militares, lado a lado, em posição
de sentido. O Juiz leu o veredicto, curto, muito curto.
- Considero o
réu, Doutor Brejeiro Homem das Oliveiras, inocente.
Ponto final.
Alarido,
gritaria, princípio de quebra-quebra, gás de pimenta e
cassetetes. Brejeiro e o advogado aproveitaram a confusão
para sair por uma porta no canto. Lá embaixo, estavam os
manifestantes que recebiam uma diária-protesto de R$ 50,00
de uma organização sindical.
No táxi, Brejeiro
agradeceu ao advogado e disse que tinha pedido transferência
temporária para um hospital geral para atender casos de Zika
e microencefalia.
- Ziko, você quer
dizer, não é Brejeiro?, comentou o advogado.
- Sim, Ziko.
Aprendi que o Politicamente Correto é mais importante do que
cura e vacina.