Quando fui a ilha
de Paquetá pela primeira vez, não passava de um bronheiro
mirim de 12 anos, leitor voraz dos catecismos de Carlos
Zéfiro, nutrientes de meu balaústre. Como muitos garotos de
minha geração fui um perseguidor implacável de empregadas
domésticas, roqueiro iniciante e muito curioso.
Aos 12 anos tive
a primeira crise de angústia. Foi em Paquetá, mais
precisamente junto ao muro da casa de José Bonifácio. Perdi
o ar, senti vontade de vomitar, sensação de leve vertigem,
morte iminente e a questão:”será que vou morrer agora?”
Era excursão de
colégio e um dos professores quase gritou “você está
amarelo!”. Tentei disfarçar, tentei dissimular e,
felizmente, o nó na garganta, uma brutal vontade de chorar,
impediu que eu balbuciasse a mais remota das frases.
Provavelmente iria falar besteira.
Saí andando,
fingindo que estava tudo bem, o professor perguntou
“melhorou?” eu disse que sim e a excursão prosseguiu, mas
fiquei para trás. Disse ao professor que precisava
descansar, ficar sentado num caixote embaixo de uma árvore.
Ele concordou. “Fique aí, mas não saia para lugar nenhum.
Voltamos logo”.
Muito calor,
mormaço, foi quando vi uma égua pastando bem perto. Pangaré,
coitada, escrava das charretes que agora foram abolidas.
Pensei em montar, sair pela ilha como um Zorro bem
resolvido, mas é lógico que não poderia. Ou poderia?
Josélia disse que
sim. Josélia, uma garota de uns 17 anos, muito morena,
magra, cabelos enrolados na altura dos ombros, descalça,
vestido de chita desbotado, abaixo dos joelhos, dizia que
era filha da dona da égua. Insinuante, perguntou “você
quer?”.
Eu ainda estava
passando mal, mas queria. Queria qualquer coisa que Josélia
me desse. Qualquer coisa. Até chute entre as pernas. Mas ela
não queria me dar, queria alugar. Alugar a égua da mãe.
Disse que a sela estava atrás do muro da casa de José
Bonifácio, o freio também. Freio da égua, não o meu.
Assim que o
pessoal se afastou, Josélia pulou o muro de volta. Muro da
casa de José Bonifácio. Vi a sua calcinha, branca,
provavelmente de algodão, mas foi só um flash. Montei na
égua mas, desorientado pelos workshops de Zéfiro, me fiz de
vítima, cara de coitado e pedi para ela ir comigo. E ela
foi. Montou na minha garupa de onde chamou o nome da
pangaré. Não lembro o nome.
A égua não
marchava, só trotava. Delícia. Delícia sentir os peitinhos
de Josélia, recém-nascidos, rumo a alvorada de sei lá onde.
Eu já não sabia quem era quem; quem era égua, quem era
Josélia, quem era eu. Mas sabia que a turma (e os
professores) voltariam logo. Foi tudo muito rápido.
Deixei a égua
parar embaixo de uma amendoeira, me virei e agarrei Josélia.
Ela não refugou. Um longo beijo acompanhado de mãozadas mal
distribuídas, mas quase na altura do obscuro objeto do meu
desejo, Josélia mandou tirar. A mão. Tirei, insisti, tirei,
insisti, insisti, insisti, arfando Josélia pulou da égua,
levantou o vestido perto da calçada, saltou uma cerca e, do
outro lado, ficou nua e determinada comandou: “vem”.
Louco, voei da
égua, pulei a cerca e ouvi os berros chamando meu nome. Era
o professor. Josélia já tinha posto a mão, eu já tinha posto
a mão, o mundo girava, mas eu teria que...refugar.
O professor me
inquiria como um sargento alemão. Disse que eu estava com a
aparência pior. Disse que eu precisava ir ao médico. Disse,
disse, disse e a turma se fez em grupos, cada um em uma
charrete.
Como um eunuco
ermo, da charrete avistei a égua, longe. Pastando junto a
calçada. Josélia devia estar por ali, como sempre esteve.
Semanas depois,
num sábado, disse que iria a Modern Sound, em Copacabana,
comprar discos. Na estação mudei para a barca para Paquetá,
onde o tempo não passava e eu latejava alucinado. Latejo que
só Josélia dissipou. Uma. Duas. Seis vezes.
Noite alta, barca
de volta, pernas tremendo, paixão vulcânica, até quando eu
estaria escravizado por aquela mulher? Em casa, desculpas
vãs, levemente imbecis, “isso não se faz, sumir sem avisar”,
disseram. Concordei. E me auto exilei no quarto, auge da
noite de sábado, lembrando de Josélia que me fez o mais
Zéfiro dos Carlos por longos e longos sábados na ilha de
Paquetá.
Viva o
frio!
Sei que pertenço
a minoria absoluta que adora o frio. Logo eu que nasci em
pleno carnaval. O frio acalma, tranquiliza, torna as
relações humanas mais simples, movimentos mais cordiais. No
calor reina a barbárie, a pancadaria, o mau humor mas, sei
lá porque, verão é chamado de "tempo bom" e o frio de "tempo
ruim".
Fato: os países
mais frios são mais desenvolvidos, menos safados e mais
humanos em contraste com terras quentes e tórridas. Ontem um
vendaval anunciou a chegada d e uma massa polar. Se as
cidades não estão preparadas para o seu próprio clima a
culpa não é do outono. Leio no noticiário on line a palavra
"caos" exibida em várias reportagens. Sim, caos de
incompetência, molambalização total dos serviços do Estado.
O frio,
comprovadamente, bota ordem na casa. Mas já vejo no Facebook
algumas pessoas reclamando. Serão elas as mesmas que fazem
aquela barbárie chamada carnaval de blocos, quando a Zona
Sul do Rio é destruída sob o reinado da birita? Pode ser.
Fato é que o frio está aí. 18 graus agora. Noites mais
nítidas (e, por isso, apaixonantes), dias mais azuis, calma,
muita calma. Tempos de ouvir eternas canções.
Apelo
aos leitores
Adoro escrever
aqui na Gazeta Niteroiense. Tenho a impressão que me
transformo em amante à moda antiga, daqueles que se
aproximam na calada da noite das janelas das leitoras,
entreabertas de propósito, e pulo lá dentro para me embolar
em edredons de êxtases. Jornais impressos são assim, tapetes
voadores que se intrometem no seio alheio na maior cara de
pau.
Meu apelo aos
leitores da Gazeta Niteroiense: opinem sobre essa incauta
coluna. Preciso saber o que acham, o que pensam. Basta
mandar um e-mail para
contato@gazetanit.com.br