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Cristina Lebre | Palavras | Mudar é preciso

A poucos dias do término desta temporada lusitana questiono tudo e vejo escancarada a dualidade da vida, essa condição inerente a todo ser humano, que mais mobiliza do que encanta , mais incomoda do que acalanta, mais assusta do que deleita .

Tudo é dinâmico e nada é estático . Tudo muda , se transforma , gera e pare novos rumos , estações , sol, chuva , azul e cinza nos céus.

Registro imagens da cidade na mente: praças , jardins, ruas , largos , prédios, o casario, monumentos. Bendita seja a memória .

Meu coração se entristece por saber-se na iminência de chegar a uma cidade dominada pelo caos e o horror dos desgovernos , ao mesmo tempo em que se alegra na perspectiva de voltar ao lar , ao aconchego da cama, paredes, minha varanda . Lugar nenhum , por mais belo que seja , nos acolhe com tanta ternura do que o pedaço de chão que construímos com nossos quadros , tapetes, plantas, livros , panelas . A insustentável leveza do ser.

No norte se vislumbra a possibilidade de vir de vez, ou morar um tempo , fazer mestrado , doutorado, fincar raízes , edificar morada . Significa desconstruir tudo o que se ergueu até aqui para erguer um novo engajamento . Significa separação de família, amigos , rotinas . Implica nova família , novos amigos , novos hábitos, dias e noites feitos do novo.

Sofro. Sinto – me por vezes mais exilada do que fazendo opções livres . Instantes seguintes penso que mudanças são saudáveis, e que não é preciso tanto drama . Apenas levantar acampamento em uma parada e fixar a barraca em outro , por um tempo , quem sabe quanto . O ditado reza , com a máxima sabedoria , que o futuro a Deus pertence.

Os filhos vêm junto , ou depois , e eu vou a eles de novo . Filhos a gente cria pro mundo. Pais são também crianças, “o que você vai ser quando você crescer .”

Aguardo uma consulta em um hospital por conta de uma gastroenterite trazida do Brasil. O enfermeiro , depois da triagem , me chama de novo especialmente para pedir desculpas porque o “atendimento está um cadinho lento, uma hora , uma hora e meia mais ou menos .” Digo que não tem problema. Sento à poltrona certa de que o caminho, a cada dia , se torna mais plano, claro , equilibrado. Gosto de ordem, leis que se cumprem , respeito ao outro . Meu way of life vai ficando cada vez mais distante da bagunça , do improviso , do desleixo.

Volto por um tempo , não sei quanto . O coração faz planos mas a resposta certa vem dos lábios do Senhor . Importa que a alma não se apequene. Esta é a meta . A ela persigo , me iludo e repito que tudo vai dar certo , e que preciso continuar a fazer história. Enquanto minhas pernas deixarem , e meu cérebro permitir , serei andarilho , por entender que somos todos peregrinos e que devemos encarar de vez tal realidade .

Nada como um dia após o outro . Destarte a brevidade da vida ser um limão tão azedo, podemos fazer muitas limonadas enquanto isso. Pelo menos uma a cada amanhecer. Pra saborear por 24 horas . E adoçar com o mel dos lindos sonhos.

 

Cristina Lebre é autora dos livros Olhos de Lince e Marca d’Água – à venda na Livraria Schöfer, em Icaraí, ou diretamente por lebre.cristina@gmail.com

 

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