A pandemia e a incursão ao fantástico mundo da literatura
Ler é um dos meus mais apreciados hobbies, embora não seja exatamente um hobby, mas um vício ultra saudável (sim, eles existem!), e intimamente ligado ao meu trabalho. Recentemente tive a oportunidade de reler o clássico “Crime e Castigo”, do fenomenal Fiódor Dostoiévski. E me rendi às noites viradas e vibrantes diante desta obra inigualável enquanto vivíamos o feriado do “carnaval” pandêmico (grande virtude da pandemia, se é que ela poderia ter alguma, foi cancelar a tal festa pagã, apesar das farras clandestinas dos irresponsáveis sempre de plantão).
Depois de chegar à página 589 desta bela publicação da Editora Martin Claret e, finalmente, respirar aliviada pelo desfecho surpreendentemente esperançoso do personagem Raskólnikov (sem querer dar spoiler, longe de mim, rsrsrs), um vazio, que acomete grande parte dos apetites vorazes pela excelência literária, me atingiu em cheio. Quis voltar, e voltei, às páginas salientadas pelo meu marcador inquieto (sim, sou uma conservadora na forma, preferindo os impressos, que compõem e embelezam a estante de todo contumaz apreciador da literatura, e não apenas para servir de cenário de uma eventual live no Instagram), sorvi por mais alguns minutos as sensações perturbadoras que tantas páginas me causaram, vi o céu lá fora começar a clarear, pensei em emendar a vigília mas, rendida ao sono, entreguei-me a um sonho repleto de lembranças instigantes da juventude, sei lá por que (explicar o processo do sonho Freud e seus seguidores conseguiram, mas interpretá-los, somente José, o personagem bíblico, foi capaz de fazê-lo, de forma tão transcendente à toda metafísica).
“Crime e Castigo” inaugura, junto com “Madame Bovary”, de Flaubert, o realismo literário que iria se alastrar pelo mundo da metade para o final do século XIX. E depois de relembrar a saga do jovem Raskólnikov compreendi que todo Garcia Márquez, todo Saramago, todo Borges e mesmo todo Machado de Assis vieram, em todos os sentidos, depois dele. O rastro do realismo que o escritor russo deixou contribuiu para inspirar autores consagrados, como o colombiano que descreveu a fantástica trajetória do clã Buendia, em “Cem anos de solidão”, e o incomparável brasileiro que plantou em nós, para sempre, aquela célebre pergunta sem resposta…, “Capitu traiu ou não Bentinho?”
Por isso tudo, minha gente querida, e sem querer parafrasear Nelson Rodrigues, que aconselhou a juventude a envelhecer, é que eu apelo aos nossos jovens e velhos contemporâneos da Covid-19, não percam tempo com BBB, gente. Saiam da tela da Globo e enveredem-se pelos caminhos literários que marcam a existência e a condição humana. O ganho é muito maior, para a inteligência, para o conhecimento, para uma contribuição efetivamente útil ao mundo. Precisamos de saber, de ideias proveitosas, de um debate amplo e civilizado. O paredão é um total contrassenso da chamada geração “politicamente correta”. Venham para o mundo das letras, onde tudo é muito mais instigante e pleno de possibilidades de vida, e vida em abundância!
Cristina Lebre é autora dos livros “Marca D’Água” e “Olhos de Lince”, à venda pelo e-mail lebre.cristina@gmail.com