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Cristina Lebre | Heal The World – Cure o Mundo

Em 1991 Michael Jackson compôs essa canção tão significativa para o mundo, que não fala propriamente de não haver nações, como apregoou John Lennon em “Imagine”, mas que chama a humanidade à cura. Composta vinte anos depois de “Imagine”, “Heal the world” ainda ecoa em tantos corações mundo afora, não por ter pregado um planeta sem religião, antes ao contrário, ela confirmou a existência da divindade na criação, mas porque afirmou que o mundo pode ser paradisíaco, que podemos ter a graça de Deus e deixar que o espírito nunca morra em nós, contanto que deixemos aquele lugar onde mora o amor em nós desabrochar, e se importar com a vida, porque há gente morrendo.

Jackson convocou cada um de nós a curar o mundo, que é nada mais do que se colocar no lugar do outro, e seguir o mandamento cristão de amarmos o nosso próximo como a nós mesmos. E hoje, em meio à mais nova guerra que o homem trava contra aquele que deveria ser encarado como seu próximo, me questiono o tempo todo onde estão os artistas, os líderes mundiais para levantar um clamor ao amor, os pregadores, os pensadores do bem, os próprios líderes religiosos? Onde eles estão no meio dessa guerra de 2022? Onde aqueles artistas todos gravando juntos como em “We are the world”, onde um Papa que venha literalmente à janela dar um pito nesses poderosos e lembrar 1 Coríntios 13? Dá pra esperar alguma coisa dos burocratas da ONU? Quem são os ícones da paz hoje? Parecem estar todos calados, parece não terem nascido, parece terem sido, quem sabe, abortados dos ventres independentes de suas mães.

O homem caiu um dia e nunca mais houve paz. Sempre tivemos tiranos, eles sempre nasceram e morreram, e enquanto viveram conquistaram impérios e subjugaram povos. Esse quadro não muda, só muda o cenário, o pano de fundo em que acontece. Mas uma pergunta que reverbera em meu pensamento é: com todo esse discurso de empatia, tolerância, respeito à diversidade e inclusão que se alardeia pelo Ocidente, com todas essas chamadas ao combate às “mudanças climáticas”, o que realmente tem avançado nessa terceira década do terceiro milênio em termos de condições de vida e relacionamento? O mundo está mais pacífico, está sendo realmente um lugar melhor? Não parece. O que parece é que ele está cada vez mais dividido, cheio de ódio e intolerância, carente de respeito à diversidade, e pobre em lideranças que chamem à paz. Parece que realmente nos encarceramos em nossas casas-bunker com medo dos vírus que as pessoas carregam e nos limitamos às redes para expressar nosso “ódio do bem” e nossa solidariedade “contanto que não seja comigo.”

Está certo, tivemos “Jerusalema” em 2020, mas a divulgação dela não foi tão massiva quanto merecia ter sido, não se mostrou nem se cantou mais “Jerusalema” do que se escreveu e leu sobre o vírus, as mortes, as vacinas, os passaportes. Doamos alimentos, roupas e produtos não perecíveis às vítimas de enchentes e outras tragédias, mas são poucos os que realmente chegam perto de um cenário catastrófico, e muitas vezes, quando ousam chegar, esbarram nas barreiras que os poderes públicos erguem para sustentar seus interesses muito antes de, efetivamente, ajudar as populações afetadas. É estranho, parece que estamos em um deserto de ideias realmente empáticas, e que todos os discursos pseudo-solidários se perdem em meio à ganância, à sede de poder e ao instinto de dominação.

Diz a Bíblia que um dos sinais do princípio das dores é o esfriamento do amor entre os homens. Parece que adentramos esse túnel escuro. Não hoje, nem no século XXI especificamente, mas já há algum tempo. Quando Hannah Arendt descreve a banalização do mal contida no julgamento de um nazista em Jerusalém percebemos a solidão e a desesperança estampadas nas sentenças relativizadas de tantos generais que participaram diretamente do holocausto. Ali já se verifica o quanto os “interesses” estão acima da justiça humana. Como agora, em um país assolado pela guerra, e cujo povo civil sendo morto e obrigado a deixar suas casas é o único inocente, pagando com suas vidas o preço do complexo protagonismo dos poderosos.

“Há pessoas morrendo”, brada a canção. E nós estamos vendo, todos os dias, por vezes em tempo real, e nos chocamos, mas parece que nos conformamos. Apesar de tanta frieza, traduzida por muitos com o eufemismo de “pragmatismo”, ainda é preciso pregar a paz, é preciso falar de paz, é preciso chamar ao arrependimento, e ao reconhecimento do mal que a guerra traz. É preciso que artistas, políticos, pensadores, filósofos e religiosos se levantem em busca de mais do que ganhar “likes”. Porque correr atrás de likes é o mesmo que correr atrás do vento. Pois, como diz o profeta, o homem é igual à erva, que seca, e cai a flor, e tudo o mais é correr atrás do vento. Mas o homem secular insiste em ignorar esta sabedoria tão profunda. E se dá o direito de destruir um país sem antes exaurir todos os seus esforços pela paz.

Precisamos de novos Michaels, de novos mártires, de grandes homens e mulheres que chamem o mundo ao sagrado, ao sobrenatural, ao que está muito além de nossas vaidades.
Ou então, realmente, continuaremos caminhando em direção ao abismo, aos vídeos diários do drama humano, a um requinte de sofrimento e dor transmitido ao vivo que dilacera a alma, e que nos levará à extinção em um futuro cada vez mais próximo.

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